Mofos
 20/03/2008
Madrugada.

A janela entreaberta por causa do calor e das estrelas.

Um filme velho na tv.

Tudo em preto e branco e mal sintonizado.

Rachaduras no teto e um calendário com dezenas de x feitos com esferográficas pretas secas.

No vinil, com chiadeira, stand by me, na versão com marvin gaye e algumas lembranças embaçadas e quebradiças pelo tempo.

Marcas na parede.

Desaparecidos.

Varias formas geométricas brancas, quadrados e retângulos, desenhadas
pelo amarelo esquecido dos anos.

Molduras órfãs na parede.

Amores e parentes e vitimas de estimação.

Imagens perdidas na suvinil, diluíram-se no esquecimento dos mofos.

Uma bituca salva o momento.

Fumaça e manchas tristes e solitárias ao lado da banheira.

Vupt!

Os livros no chão.

O ronco da clímax tentando sobreviver ao abandono cruel da fome e das horas.

Algumas forcas demolidas pela cidade.

(Não há mais condenados. Todos se mataram antes do inquérito por atropelamento e cinismo)

A solidão necessária e meias sujas e cartas idem embaixo da estante indicam uma assertividade epilética.

Bancos de jardim molhados de sereno e tinto barato e amigos na esquina não voltam para casa.

Marvin gaye combina com o chuvisco da tv fora de sintonia e as estrelas espremidas no vão da velha janela de madeira até o assoalho causando formigamentos na sola do pé frio e esvaziamento poético.

Desenho chuva e telhados no caderno com uma falta de criatividade atroz e sem firmeza nas mãos.

Algo na garganta há anos.

Nada à fazer até de manhã.

Nunca houve.

(JCF)

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