A janela entreaberta por causa do calor e das estrelas.
Um filme velho na tv.
Tudo em preto e branco e mal sintonizado.
Rachaduras no teto e um calendário com dezenas de x feitos com esferográficas pretas secas.
No vinil, com chiadeira, stand by me, na versão com marvin gaye e algumas lembranças embaçadas e quebradiças pelo tempo.
Marcas na parede.
Desaparecidos.
Varias formas geométricas brancas, quadrados e retângulos, desenhadas
pelo amarelo esquecido dos anos.
Molduras órfãs na parede.
Amores e parentes e vitimas de estimação.
Imagens perdidas na suvinil, diluíram-se no esquecimento dos mofos.
Uma bituca salva o momento.
Fumaça e manchas tristes e solitárias ao lado da banheira.
Vupt!
Os livros no chão.
O ronco da clímax tentando sobreviver ao abandono cruel da fome e das horas.
Algumas forcas demolidas pela cidade.
(Não há mais condenados. Todos se mataram antes do inquérito por atropelamento e cinismo)
A solidão necessária e meias sujas e cartas idem embaixo da estante indicam uma assertividade epilética.
Bancos de jardim molhados de sereno e tinto barato e amigos na esquina não voltam para casa.
Marvin gaye combina com o chuvisco da tv fora de sintonia e as estrelas espremidas no vão da velha janela de madeira até o assoalho causando formigamentos na sola do pé frio e esvaziamento poético.
Desenho chuva e telhados no caderno com uma falta de criatividade atroz e sem firmeza nas mãos.
Algo na garganta há anos.
Nada à fazer até de manhã.
Nunca houve.
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