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Eu esperava encontrar um barco ancorado na outra esquina, depois da padaria. Esperava sim. Tenho dessas coisas. Esperança e pulgas atrás da orelha. Fico imaginando uma correria desenfreada de vikings pela porta vai e vem do pronto socorro deserto, silencioso, na madrugada fria de São Paulo. Fico imaginando um natal onde as pessoas não digam nada, principalmente, feliz natal e não danem a ficar com os olhos rasos d’agua perto da meia noite. Mas, voltando ao que estava dizendo, eu esperava sim encontrar um barco depois da padaria, na verdade, uma escuna, que singrasse da o mar, desde a padaria, passando pela Baía de Todos os Santos, rumo ao abismo do fim do mundo. Aquele abismo acreditado antes de Galileu. Uma viagem sem volta, lógico, já que o fim dela é despencar na beirada do mundo e cair por toda a eternidade. Noutro dia uma amiga falou que, até pouco tempo, ela acreditava que o mundo era guardado numa casca. Que todas as coisas, terra, mar, nuvens, atmosfera, a gente, ficavam protegidas dentro de uma bola gigante, tipo, uma bola de concreto, ou aço. E que quando, lá no Cabo Canaveral, decolasse um foguete rumo ao espaço, alguém abria uma janela pro foguete passar e depois, a janela era fechada. O que isso tem a ver com o abismo do fim do mundo? Não sei ao certo. Mas isso me dá uma idéia do inconcebível. Me dá uma idéia de que tudo o que a gente vive, pensa, fala, escuta, não passam de fantasias. Que o objetivo mesmo é lá no fim. E no fim, tudo é possível. Até um barco ancorado depois da padaria ou um foguete tocando a campainha rumo ao espaço sideral.

(JCF)

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